segunda-feira, 16 de março de 2009

IIIª Catequese Quaresmal de D. Manuel


III Domingo da Quaresma
“ A relação com Deus é estruturante da vida pessoal e comunitária”

1.Celebramos o III Domingo da Quaresma. Com ele entramos no núcleo central deste tempo forte de preparação para a Páscoa e de revisão da vida cristã de todos os baptizados. De facto, o 3º, o 4º e o 5º domingos da Quaresma constituem uma unidade e pretendem que a Igreja e todos os seus fiéis se interroguem, com a máxima seriedade, sobre as formas como deve ser vivida a Fé em Jesus Cristo, sua celebração e consequências quer na vida social quer quanto à esperança na Vida eterna. Hoje celebramos também o dia Nacional da Caritas, a lembrar a passagem de S. Paulo aos Coríntios: “Se não tiver caridade nada sou”.

2. A Palavra de Deus hoje proclamada na Assembleia Eucarística do domingo continua a falar-nos da Aliança. Aliança que Deus estabeleceu com a humanidade no seu conjunto através de Noé; estabeleceu com o Povo eleito, através de Abraão e hoje renova através de Moisés, conforme descrição do Livro do Êxodo. Pela aliança, Deus escolhe o Povo de Israel e faz dele o Seu Povo eleito; este compromete-se a cumprir os 10 mandamentos, cuja lista o Livro de Êxodo hoje nos apresenta. A Lei da Nova Aliança, interpretada por Jesus Cristo, resume os 10 mandamentos em 2 apenas – amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. O Evangelho de hoje, ao apresentar-nos o episódio da purificação do Templo, remete a nossa atenção para o verdadeiro culto devido a Deus e para o verdadeiro templo onde esse culto lhe é prestado. Para a nova aliança todo o verdadeiro culto se resume no único sacrifício de Cristo. Por isso, como lembra hoje a I Carta aos Coríntios, o Coração da mensagem cristã, segundo S. Paulo, é Cristo crucificado, escândalo para os Judeus e loucura para os Gentios. E o verdadeiro Templo onde se pratica esse verdadeiro culto passou a ser a pessoa de Cristo Ressuscitado.

3. A Palavra de Deus hoje convida-nos a recordar os 10 mandamentos, através da passagem do Livro do Êxodo. E nós vamos considerar especialmente os 3 primeiros mandamentos voltados para a recomendação de amar a deus sobre todas as coisas. De facto, o primeiro manda-nos amar a Deus sobre todas as coisas; o segundo manda-nos não invocar o Santo nome de Deus em vão e o 3º manda-nos santificar o dia do Senhor.
3.1. Estes 3 mandamentos, que constituem o primeiro dos 2 em que se resume o decálogo, colocam a relação com Deus no centro da nossa vida pessoal e comunitária e lembram não só às pessoas mas à própria sociedade que Deus e a relação com ele são muito importantes na organização da vida tanto dos indivíduos, como das comunidades.
Deus é o Criador e o Senhor da história que oferece a todos a mesa da criação e todos os bens de que precisamos para viver a vida com verdadeiro entusiasmo e sentido.
Em troca de toda a generosidade que nos dedica, desde a criação à história das suas relações connosco através do Povo eleito e da Igreja e sobretudo através da Pessoa de Cristo, Deus pede-nos apenas a retribuição do Seu amor. Amor esse que desabrocha no verdadeiro culto celebrado no novo Templo que é Cristo ressuscitado e a Sua Igreja.
3.2.Deus vem ao nosso encontro para fazer de nós a Sua Família. E nós aceitamos essa vinda de Deus ao nosso encontro através da Fé, virtude sobrenatural também ela um dom de Deus. Sendo dom de Deus, a Fé não dispensa o nosso esforço para a alimentar sobretudo com a leitura assídua da Palavra de Deus, que hoje é actualizada na Palavra da Igreja especialmente resumida no Catecismo. E esforço também para a defender, sobretudo aprofundando as razões de esperança que nos vêm de Deus e de Nosso Senhor Jesus Cristo no diálogo e mesmo no confronto com as muitas visões do mundo e da vida hoje existentes, muitas delas em clara oposição aos valores profundamente humanos da nossa Fé.
A Esperança no sentido positivo da história presente e sobretudo na Vida Eterna é outro dos grandes bens que Deus coloca na nossa vida pessoal. É um bem que nos defende do desespero e nos empenha cada vez mais em fazer tudo o que está ao nosso alcance para orientar a história do mundo confiada à nossa responsabilidade. Por sua vez, a caridade cristã, para além de ser resposta ao amor infinito que Deus nos dedica desde toda a eternidade, há-de fazer resplandecer o amor divino nas nossas relações sociais. Quando, de alguma forma, fazemos oposição à presença e ao amor de Deus no meio do mundo e da história, para além de cometermos uma ingratidão inqualificável, colaboramos no maior dos prejuízos de que a humanidade pode ser vítima.
3.3.Vivemos hoje um modelo de organização social onde a laicidade é regra comummente aceite. Mas laicidade não pode significar a expulsão de Deus nem da vida pessoal nem da vida social. Deve representar apenas um distanciamento dos poderes públicos relativamente às formas de organizar a vivência da Fé. De facto, esta é responsabilidade dos cidadãos e de organizações específicas. Mas aos poderes públicos compete criar todas as condições necessárias ao exercício do direito e dever que os cidadãos têm de promover, viver e celebrar a Fé. É assim que deve ser entendido o correcto exercício da Liberdade religiosa, tanto por parte dos cidadãos como dos poderes públicos. A autêntica liberdade religiosa nunca pode ser entendida como silêncio sobre o facto religioso, muito menos como indiferença, oposição ou simples tentativa de a fazer recuar para a esfera privada do indivíduo.
A Liberdade religiosa só ficará devidamente assumida e cumprida quando saudavelmente se criarem todas as condições objectivas para que os indivíduos e as comunidades vivam efectivamente o dever de acolherem Deus nas suas vidas, de lhe prestarem o culto devido e assim contribuírem para o maior bem da Sociedade.
E as autoridades públicas não podem argumentar com o pluralismo religioso para fugirem a esta sua responsabilidade. Pois, também o diálogo e a cooperação entre as várias religiões devem ser promovidas, sem prejuízo de criar as condições necessárias para que cada uma delas viva a sua identidade e realize a missão específica que lhe compete.
De facto, o vazio de simbologia religiosa no espaço público e todas as tentativas de expulsar Deus da vida social em nada ajudam a autêntica humanização da sociedade.
3.4. Manda-nos o 2º mandamento não invocar o santo nome de Deus em vão. Ao longo da história, sempre que as pessoas quiseram expressar um especial empenho das suas vidas em favor das grandes causas, faziam-no e fazem-no, invocando o nome de Deus como garantia da fidelidade aos seus compromissos. É por isso que ainda recentemente, na sua tomada de posse, o Presidente americano fez juramento de fidelidade sobre a Bíblia. A ninguém é legítimo quebrar o juramento de fidelidade ou, pior ainda, instrumentalizar a força sagrada que vem da invocação do nome de Deus para fins contrários ao bem. O que significa que a relação com Deus é factor importante de responsabilização das pessoas perante a vida social.
3.5. Manda-nos o 3º mandamento santificar o Dia do Senhor, que para a tradição do Antigo Testamento era o Sábado e para os cristãos é o Domingo.
O domingo, termo que em si mesmo quer dizer dia do Senhor, de facto adquiriu importante centralidade na vida cristã pessoal e comunitária. Santificar o Domingo, primeiro dia da Semana, é para nós em primeiro lugar, participar na assembleia da comunidade e Eucaristia dominical; mas é também dedicar mais tempo à escuta meditada da Palavra de Deus, à acção apostólica e à prática da caridade. Para além disso, o domingo tem uma componente social da maior importância, enquanto dia de descanso semanal. Na nossa tradição ocidental, desde os tempos do Imperador Constantino, que assim acontece.
E, na realidade, esta componente humana e social do domingo é importante para a vida das pessoas em geral, que assim têm possibilidade de dar à Família o tempo e as atenções que lhe não podem dar durante os dias de semana; ou simplesmente organizar para seu bem pessoal e dos outros os tempos livres que ele representa. O domingo é, assim, uma instituição de raízes cristãs que passou a marcar o ritmo semanal da vida da sociedade e como tal há-de ser defendido pelas próprias leis civis como um valor de maior importância para a qualidade de vida das pessoas.
Que o Senhor nos ajude a aproveitar bem esta Quaresma para fazer dos mandamentos da Lei de Deus a luz orientadora de toda a nossa vida e da vida da própria sociedade.

Catedral da Guarda, 15 de Março de 2009
Manuel R. Felício. Bispo da Guarda

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