terça-feira, 24 de março de 2009

IVª Catequese Quaresmal de D. Manuel


IV Domingo da Quaresma
“Deus é fonte e dador da vida em Seu Filho Jesus Cristo”


1. Estamos a viver o quarto domingo da Quaresma. Um domingo marcado pela nota da alegria, devido à proximidade das Festas pascais. Por isso é chamado domingo “laetare” e a liturgia permite aliviar hoje a austeridade quaresmal, com o uso de paramentos cor de rosa, em vez da cor roxa comum a toda a Quaresma.
Durante os 3 domingos centrais da quaresma (II, IV e V) e através do Evangelho de S. João, somos introduzidos no mistério da Paixão e morte redentoras de Cristo. No domingo passado, foi o relato de S. João sobre a intervenção de Jesus para purificar o Templo, que deixou os ânimos exaltados contra Ele; hoje, é a passagem de Nicodemos que refere o juízo de Jesus levantado sobre a cruz diante do mundo sem Fé; domingo que vem, será o relato do grão de trigo lançado à terra que só desaparecendo pode dar origem a fruto abun­dante.

2. A Palavra de Deus hoje, como aconteceu nos 3 domingos anteriores continua a falar-nos da Aliança de Deus com o Seu Povo. E desta vez, no Livro das Crónicas, fala-nos da fidelidade de Deus que se mantém até ao fim apesar da infidelidade do Seu Povo Eleito.
De facto, as infidelidades e contínuas transgressões do Povo e seus chefes perante a Lei de Deus geraram muitas contrariedades, a principal das quais foi a destruição do Povo de Israel e o Exílio da Babilónia. Mas Deus respon­deu com o Seu gesto de Misericórdia, inspirando o General Persa Ciro para permitisse o regresso do Povo ao seu País e o ajudasse na reconstrução do Templo.
O Evangelho apresenta-nos hoje uma passagem do diálogo de Nicodemos com Jesus, de noite. E nesse diálogo sublinha-se a força salvadora da cruz de Cristo. De facto Deus enviou ao mundo o Seu Filho Único não para condenar o mundo mas para o salvar. Na morte redentora de Jesus Cristo brilha, com esplendor único, a Misericórdia infinita de Deus que perdoa sempre. A Cruz de Cristo é, de facto, a fonte de onde jorra a vida abundante que o mesmo Deus oferece a todos. Como comenta hoje S. Paulo na Carta aos Efésios, Deus é rico em misericórdia pelo grande amor com que nos amou. E o amor de Deus para connosco revelou-se assim, continua S. Paulo: estando nós mortos por causa dos nossos pecados, Ele restituiu-nos à vida com Cristo.

3. A vida é, de facto o maior dom que recebemos de Deus, a começar pela vida física, mas continuando na vida das boas relações em comunidade, na vida espiritual e na vida sobrenatural que nos abre para as relações com o mesmo Deus em Cristo e na força do Espírito Santo.
Sendo dom de Deus, a vida é acolhida no seio de uma família constituída essencialmente por marido e esposa, pai, mãe e filhos.
A Família é, assim o santuário do amor e da vida querido por Deus para serviço de toda a sociedade.

3.1. No seu projecto criador Deus pensou o homem e a mulher como seres diferentes e complementares e vocacionados para, nesta sua complemen­tari­dade, serem imagem e experiência da comunhão trinitária e fonte de novas vidas. Pelo exercício da sexualidade humana em casal cumprem o desígnio de Deus, realizam-se como pessoas diferentes e complementares e prestam à sociedade o serviço da fecundidade. A experiência do dom total de si mesmos um ao outro levam homem e mulher, no quadro da instituição familiar, a experimentar a beleza do amor entendido como projecto de vida a dois, aberto ao advento de novas vidas humanas.
O dom dos filhos é sempre a grande bênção na vida de um casal. Por sua vez, pela fidelidade mútua e pela estabilidade das suas relações, marido e esposa são chamados a oferecer aos filhos as condições objectivas de que eles precisam para crescerem de forma equilibrada e na compreensão progressiva, teórica e prática, dos grandes valores. A família começa por ser, assim, em primeiro lugar um projecto de vida a dois que depois se alarga aos filhos, necessitados de condições para eles próprios decidirem a sua vida.
A sexualidade humana é, assim, vivida por marido e esposa, no quadro do seu compromisso de fidelidade como dom de si mesmos para construção da comunhão em família e geração de novas vidas. Por sua vez só na escola da Família é que as crianças, os adolescentes e os jovens podem descobrir a importância da sexualidade no processo de construção das suas personalidades e também na elaboração do seu projecto pessoal de vida. A educação sexual é factor importante e decisivo para o crescimento equilibrado das novas gerações e, por isso, nela tem de estar empenhada a família desde o princípio.
O valor da virtude da castidade nas palavras e nas obras, como lembra o 6º mandamento e nos pensamentos e nos desejos, como recomenda o 9º mandamento, quando não é descoberto e motivado no seio da própria família tem muita dificuldade em ser apreendido.
Precisamos de dizer com coragem a muitas mentalidades modernas que o instinto e a sensibilidade não podem ser o único critério regulador da sexualidade humana. Se assim fosse, ela deixaria de ser humana. Pelo contrário, humanizar a sexualidade é torná-la também espaço de decisão e colocá-la sempre ao serviço da pessoa e das suas relações mais autênticas.
Por isso, não pode escandalizar ninguém o apelo à abstenção das relações sexuais em situações determinadas, como é o caso das doenças sexualmente transmissíveis. É nesse sentido que também os nossos políticos têm de entender o apelo do Papa feito esta semana às populações do continente africano, com a lembrança de que o uso do preservativo, mesmo que pareça o contrário, não é remédio para esta doença, que, de facto, continua a dizimar populações em muitos países de África. Alguns dos nossos políticos, que tiveram reacções primárias diante deste apelo do Papa, não assumiram, de facto, a sua responsabilidade social e o dever que lhes assiste de apontarem critérios dignificantes e humanizantes.
3.2. Como Santuário do amor e da vida, a Família precisa de saber transmitir sempre e a todos os seus membros o sentido do respeito pela vida, esse valor essencial a que todos os outros valores têm de estar sempre subordinados. O cumprimento do 5º mandamento – não matarás – exige uma educação de fundo para o valor da vida humana. Dela nós nunca somos donos ou proprietários, mas somente administradores, como lembra o catecismo da Igreja Católica (n. 2280).
Por isso, a vida humana é um valor absoluto a defender, sempre e em todas as circunstâncias. E este respeito pela vida humana começa no momento da concepção e vai até à sua morte natural. Por isso, ao Estado deve ser negado o direito de poder legitimar o aborto ou antecipar o fim da existência terrena de qualquer ser humano, como pretendem os defensores e promotores de leis legitimadoras da eutanásia. Dispor da vida humana própria ou alheia é um direito que só a Deus pertence.
Atentados contra a vida são o homicídio directo e voluntário, incluindo o aborto e a eutanásia; é o suicídio, e daí a contradição do chamado suicídio assistido; mas são também outras práticas que levam consigo alguma agressão à pessoa humana como tal no exercício das suas faculdades ou diminuição das suas capacidades. É o caso do uso de drogas, incluindo o alcoolismo.
3.3. A família é escola do respeito que deve haver entre pais e filhos, como também do respeito que, à partida nos têm de merecer quantos estão no legítimo exercício da autoridade. Por isso manda o 4º mandamento honrar pai e mãe e os outros legítimo superiores. Daqui concluímos que há deveres dos filhos para com os pais, deveres dos pais para com os filhos e também deveres para com as autoridades legitimamente constituídas.
Para com os pais os filhos têm o dever de obediência, quando se trata de seguir as orientações dadas sobre os grandes valores da vida, quando se trata de cooperar na busca e na prática da verdade; e também de os assistir, não só quando há necessidades materiais mas, em todas as circunstâncias, para que eles possam viver cada etapa da vida com o máximo empenho e entusiasmo.
O primeiro e principal dever dos pais para com os filhos é o da educação. Ao dom da vida segue-se natural e necessariamente o da educação. Por isso a família é a fonte, a matriz de toda a educação, como lembra o Vaticano II, na constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo (n. 61). E, por sua vez, lembra-nos o Catecismo da Igreja Católica que os “pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos na Fé, na oração e em todas as virtudes. Eles têm o dever de prover, na medida do possível às necessidades físicas dos seus filhos”. (n. 2252).
Daqui concluímos que as escolas, tanto públicas como privadas, nunca podem substituir o papel insubstituível das famílias. Devem sim ajudá-las no cumprimento desta sua responsabilidade fundamental.
3.4. O quarto mandamento manda também, como já dissemos, honrar as autoridades legitimamente constituídas na sociedade.
De facto a comunidade dos políticos tem um importante papel a desempenhar na promoção do bem comum e dos indivíduos.
As pessoas e as famílias necessitam de leis, tribunais e governantes que velem pela ordem pública, apliquem políticas educativas e outras que sejam correctas, nomeadamente no domínio da saúde e da promoção da cultura e também se esforcem por criar as infraestruturas necessárias ao exercício da vida pessoal e social, sempre com equilíbrio e a equidade, nomeadamente quando se trata de distribuir estes bens pelo conjunto da população sem que ninguém deles fique excluído. Os que exercem funções de autoridade devem exercê-las para serviço do bem comum e de todos e nunca para servir os seus interesses pessoais ou de partido. Aos cidadãos em geral compete-lhes o dever de colaborar com os poderes públicos na edificação da sociedade, em espírito de verdade, de justiça, solidariedade e equidade” (n. 2255).
Estas são as razões do respeito e da cooperação que a todos nos merecem as autoridades legitimamente constituídas.

Todos desejamos que esta quaresma nos ajude a colaborar, como cristãos e cidadãos, na promoção dos autênticos valores da vida, incluindo com a ajuda que queremos dar aos poderes públicos na definição das melhores políticas e na sua implantação para bem da comunidade humana em geral e do nosso país em especial.

Paróquia de Boidobra (Covilhã), 22/3/2009
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

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