segunda-feira, 9 de março de 2009

II Domingo da Quaresma - Comprometidos com Cristo na transformação

1.Estamos no II Domingo da Quaresma, que nos apresenta o quadro da Transfiguração do Senhor Jesus Cristo, diante dos Apóstolos Pedro, Tiago e João, no Monte Tabor. Ao lado de Cristo estavam Moisés e Elias, representando a Lei e os Profetas do Antigo Testamento. Do meio da nuvem ouve-se a voz misteriosa de Deus Pai, a testemunhar quem é Jesus Cristo – “ Este é o meu Filho muito amado: escutai-O”.
Os três Apóstolos não escondem a tentação que tiveram – permanecerem naquele lugar para sempre e por isso querem fazer 3 tendas; mas Jesus tinha outros planos para eles e mandou-os descer do monte, porque o mundo os esperava. Neste quadro simbólico, Jesus revela a Sua identidade divina e de salvador, pela transfiguração, pela Palavra do Pai e pelo testemunho da própria Lei e dos Profetas do Antigo Testamento. Os 3 apóstolos sentem-se bem naquele quadro de transfiguração, mas, de facto, precisam eles próprios também de muita transformação, pois ainda não compreendem o que é ressuscitar dos mortos. Ao descerem com Jesus do monte, sentem o mundo como o campo da sua própria missão; um mundo a que é preciso levar a transfiguração de Cristo, depois de experimentada nas suas próprias pessoas.
Para dar cumprimento a esta tarefa evangelizadora e transformadora de si próprios e do mundo eles precisam, como nós hoje precisamos, de cultivar a atitude fundamental da fidelidade – fidelidade a Cristo e aos planos de Deus.
A Palavra de Deus apresenta-nos hoje, no Livro do Génesis, o exemplo por excelência dessa fidelidade. Abraão estava disposto a tudo sacrificar para cumprir a vontade de Deus. Por isso, não lhe negou a realidade mais cara da sua vida, que era o próprio Filho, três vezes lembrado, no texto Bíblico, como seu Filho único. De facto, a fidelidade de Abraão e a sua Fé no Deus único é modelo para nós cristãos e discípulos de Cristo que, pelo Baptismo, estamos identificados com Ele e, por consequência, chamados a segui-L0 para o anúncio do Evangelho aos homens e mulheres do mundo de hoje.
Nesta tarefa evangelizadora, difícil mas urgente e que exige o empenho total das nossas vidas, não estamos sós. Acompanha-nos o próprio Jesus Cristo, Filho único de Deus que o próprio Pai entregou à morte por todos nós. Lembra-no-lo hoje a Carta aos Romanos. Esta é a prova máxima do amor de Deus por todos nós e pela própria humanidade. O facto de sentirmos, como a primeira comunidade dos apóstolos e dos discípulos, que Deus está do nosso lado é uma maravilhosa consolação, mas sobretudo uma força extraordinária que nos mobiliza e nos entusiasma a procurar criativamente os caminhos da nova evangelização.
2. Como os 3 Apóstolos que desciam com Jesus do monte da Transfiguração, sentimos que a nossa missão é levar ao mundo a novidade do Evangelho de Jesus. Mas sentimos também como eles que a nossa preparação para esta tarefa ainda não está completa. Eles não sabiam o que era ressuscitar dos mortos e nós precisamos também de continuar a percorrer os caminhos do verdadeiro conhecimento de Cristo e da Sua mensagem que nos chega hoje sobretudo na Bíblia e no Catecismo.
Por agora, vamos fixar a nossa atenção na responsabilidade que nos é pedida, como cristãos e como cidadãos, para intervirmos na transformação de nós próprios e do mundo, de acordo com o Evangelho.

2.1. De facto, nós sentimos que somos, em alguma medida, donos de nós mesmos e do mundo, que nos está entregue para o conhecermos, organizarmos e governarmos, sempre no respeito por regras que não dependem de nós.
Cada um de nós enquanto pessoa e cidadão cumpre esta missão através de decisões livres e responsáveis que dão origem a actos portadores do nosso compromisso voltado para promover o Bem de todos e cada um dos seres humanos e impedir tudo o que é mau.
Esse centro onde cada um de nós toma as suas decisões chama-se consciência e podemos defini-la como sendo o íntimos mais íntimo de cada pessoa, o santuário onde cada um de nó, confrontando-se com os imperativos que lhe vêm de si mesmos, da sociedade, do mundo e, como sua fonte última, do próprio Deus, formula as suas escolhas. Destas decisões da consciência derivam os actos humanos, que são bons ou maus conforme cumprem ou não as leis inscritas no coração do mundo e da sociedade, mas sobretudo no coração de cada ser humano pelo próprio criador.
Estes actos humanos, resultantes de decisões livres, distinguem-se de outros actos do homem e da mulher que não resultam da sua liberdade mas somente cumprem mecanismos biológicos de sustentabilidade do organismo ou são determinados pelos instintos.
A consciência é assim a capacidade própria de cada homem e de cada mulher para formularem o seu juízo de valor e os actos humanos são os canais por onde esse juízo de valor se aplica para transformação da realidade pessoal, social e mundana.
Por sua vez, o juízo da consciência será recto, se ele se ajustar à verdade do ser humano, da sociedade e do próprio mundo e às consequentes exigências de bem nela implicadas; será erróneo ou errado se não se lhe adaptar, com ou sem culpabilidade.
Desse juízo depende também a moralidade dos actos humanos, que, por isso, classificamos de moralmente bons se se ajustarem à verdade e ao Bem; de moralmente maus, quando há desajustamento, seja positivamente desejado seja apenas consentido.
Para cumprir a sua importante missão, a consciência precisa de liberdade e autonomia, o que implica total ausência de coacção exterior na formulação do seus juízos.
Todavia, a mesma consciência precisa também de assumir o dever de estar sempre a ajustar-se à Verdade e ao Bem. Isto chama-se formação da consciência, que é uma obrigação de todas e cada uma das pessoas .
Na formação da consciência tem de obrigatoriamente estar implicado o indivíduo, mas também o devem estar as instituições de que ele legitimamente tem direito a esperar ajuda, como são a família, a escola e outras, incluindo todos os responsáveis pela condução da vida pública.
Pelo que fica dito, concluímos que os actos humanos não são todos iguais, porque uns são bons e outros não; e concluímos também que a sua bondade ou maldade não dependem apenas do sujeito que os pratica, mas sim da Verdade e do Bem que o transcendem e lhe ditam regras, a que ele responsavelmente não pode fugir.
Os actos humanos, bons ou maus, resultam da decisão da consciência como dissemos, a qual é também determinada pela actividade do conjunto das Faculdades do ser humano, a começar pelas chamadas faculdades superiores que são a inteligência, a razão e a vontade. Em todo esse processo intervêm igualmente a sensibilidade humana e as emoções, assim como as características próprias da maneira de ser de cada indivíduo.
À influência da sensibilidade e sobretudo das emoções sobre todo o processo que conduz aos actos humanos costumamos chamar-lhe de paixões. Em si mesmas, as paixões, na medida em que garantem a ligação entre a vida sensível e a vida do espírito são um importante potencial humano, que pode ser aproveitado para promover o bem, através das virtudes; mas também o pode ser quer para o mal, através dos vícios.

2.2 – As Virtudes são hábitos bons e costumamos defini-las como sendo disposições habituais e firmes para fazer o Bem. Os vícios são hábitos maus.
É verdade que o ser humano se determina, nas suas opções, não apenas por actos isolados, mas também por hábitos. Dentro das virtudes ou hábitos bons distinguimos as grandes Virtudes humanas das virtudes sobrenaturais, a que andam ligados os 7 dons do Espírito Santo e os chamados também frutos do Espírito. As grandes Virtudes humanas fazem parte do humanismo que caracteriza a nossa tradição ocidental, desde a cultura grega. Também lhe chamamos virtudes cardeais e são a Prudência, a Justiça, a Fortaleza e a Temperança.
As virtudes sobrenaturais ou teologais são dons de Deus oferecidas a cada um de nós para fortalecer as faculdades humanas e torná-las aptas a produzirem actos que, por natureza, as transcendem. Essas virtudes sobrenaturais também chamadas teologais são a Fé, a Esperança no Reino de Deus e na Vida Eterna e a Caridade, entendida como o próprio Amor Divino traduzido em gestos e atitudes humanas, à maneira de Cristo encarnado.
Juntando a estas virtudes os 7 dons do Espírito Santo e os 12 frutos da Sua acção em nós, fica constituído o ambiente sobrenatural em que se desenvolve toda a nossa actividade humana para darmos cumprimento à responsabilidade que Deus nos confia com a finalidade de conduzirmos o Mundo pelos caminhos da verdade e do Bem.

2.3. Não podemos esquecer-nos agora que este quadro tem o seu reverso da medalha. De facto, ao mesmo tempo que somos ajudados por Deus e pela Sua Graça, pelas virtudes humanas e teologais, incluindo os dons do Espírito Santo, a percorrer os caminhos da verdade e do bem, também somos constantemente desviados desses caminhos pelo pecado e pelos vícios que lhe andam ligados.
O pecado é a recusa deliberada de cumprir os desígnios de Deus sobre o Mundo, a história e a própria pessoa enquanto tal. Em consequência, o pecado é o acto pelo qual a pessoa corta relações com o mundo e com os outros seres humanos, remetendo-se ao isolamento. E as relações são destruídas, porque a pessoa que peca não quer, de facto, respeitar a verdade e as leis da verdade inscritas no interior dos próprios seres que, por vocação, espelham em si mesmos o amor de Deus. Apesar de tudo, nem todos os pecados têm o mesmo peso ou a mesma gravidade. Por isso distinguimos o pecado mortal e grave do pecado venial e leve. Nesta linha, a tradição cristã considera especialmente graves os chamados pecados que bradam ao céu.
Além disso, todo o pecado, sendo, à partida um acto isolado e pessoal, gera novos dinamismos de pecado que afectam o próprio sujeito e também todos aqueles que estão na rede das suas relações. Aparecem, assim, os vícios contrários às virtudes. Os chamados 7 pecados capitais, na realidade são vícios que contrariam as virtudes correspondentes.
Compreendemos agora como os pecados individuais sempre tiveram e continuam a ter repercussão negativa na vida social, pervertendo as mentalidades e enfraquecendo as pessoas no esforço por construir a sua vida pessoal e a vida da sociedade segundo o bem de todos. Por isso nós falamos de pecados sociais e mesmo de estruturas de pecado, que acabam por condicionar negativamente as decisões e os actos de cada pessoa.

2.4. No emaranhado desta teia de relações e solicitações que caracteriza a vida do homem e da mulher em sociedade, o importante é cada um de nós fazer as suas escolhas com responsabilidade. E as escolhas serão sempre entre o Bem e a Verdade e os actos humanos consequentes, por um lado, e a manifesta recusa ou simples desinteresse por seguir os caminhos da Verdade e do Bem, por outro lado. Jesus Cristo é sempre um apelo forte para nós fazermos a primeira escolha e nesse apelo se resume o essencial da sua mensagem que é também o núcleo da Boa Nova Evangélica – “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho”.
Todos desejamos que esta Quaresma seja também resposta decidida de cada um de nós ao chamamento de Cristo. Como cristãos e cidadãos queremos ficar mais dispostos a percorrer os caminhos da autêntica conversão pessoal, na prática consciente e decidida da verdadeira moral evangélica. Uma moral que há-de repercutir na transformação do mundo, segundo a transfiguração de Cristo no Tabor.

Que Deus nos ajude.


Sé da Guarda, 8 de Março de 2009
+Manuel R. Felício, Bispo da Guarda

Sem comentários: