segunda-feira, 6 de abril de 2009

Apresentação do livro "Quando a Igreja sorri"

"Quando a Igreja sorri"
Introdução:
1 - Fui convidado a participar no lançamento do livro "Quando a Igreja sorri" da autoria de Andrea Tornielli, que retrata, em biografia notável, o Cardeal José Saraiva Martins.
2- Quero agradecer à Aletheia Editores, ao Círculo de Leitores e à Câmara Municipal da Guarda, tão generoso convite. Aceitá-lo, sendo uma honra, é sobretudo uma oportunidade para testemunhar ao Senhor Cardeal toda a minha admiração.
3 - Não posso deixar de sublinhar a humildade do autor que não aparece referido na edição, logicamente para não distrair o leitor da personalidade eminente sobre quem escreve esta maravilhosa biografia. Andrea Tornielli, é um jornalista muito conhecido em Roma, vaticanista do Giornale, licenciado em História da Língua Grega, casado, com três filhos, vivendo entre Roma e Milão, com um blog cujo título é "Sacri Palazi". Conhece muito bem a vida da Igreja, pelo que não lhe foi difícil encontrar-se com o Cardeal e, sobre ele, escrever esta maravilhosa biografia.
4 - Apraz-me referir, nesta apresentação, cinco aspectos que me parecem originais e revelantes. Um título muito feliz; Uma biografia integral; O intelectual e o Pastor; os nove capítulos da obra; e, finalmente, a projecção na Vida da Igreja.

1º Um título muito feliz
1 - "Quando a Igreja sorri" foi um título escolhido para esta biografia. Este título, por si só, ultrapassa a vida da personalidade estudada, envolve a Igreja toda num ciclo de tempo que vai dos anos 30 à primeira década do 3º Milénio. Quando se lê com atenção cada página compreende-se a evolução da Igreja que, acompanhandos os normais cursos da história, revela a sua capacidade de ir ao encontro do mundo concreto, para garantir nele as promessas da Salvação anunciadas pelo Senhor.
Ao falar do Cardeal Saraiva Martins, o autor não se limita a descrever momentos da sua vida pessoal. Vai muito mais longe. Compara os acontecimentos que marcaram profundamente a metade do séc. XX, refere a coragem dos Papas, a oportunidade das suas intervenções, a segurança da sua doutrina, a resposta a problemas emergentes, um sem número de situações em que a Igreja não podia passar ao lado. A segunda Guerra Mundial, o Concílio Vaticano II, a relação dos Estados numa Europa Unida, a Viragem do Milénio, estes e muitos outros acontecimentos são vistos como realidades que exigem a leitura dos sinais dos tempos, leitura esta que, em cada tempo, Saraiva Martins soube fazer.
2 - Nesta edição encontrei um texto que já conhecia e me fora oferecido por sua Eminência o Senhor Cardeal, a carta de Bento XVI a felicitá-lo pelas suas Bodas de Ouro Sacerdotais. Aí está a síntese de toda a sua vida e escrita pela própria mão do Papa. "Ilustre filho de Portugal, realizaste o Ministério Apostólico por palavras e escritos, em todas as outras formas, sobretudo no campo da Juventude"; "Toda a tua experiência no campo da formação e as tuas nobres qualidades humanas tiveram oportunidade de chegar à plena maturação"; "O teu empenho no anúncio do Evangelho, a excelente preparação doutrinal e o ardente zelo apostólico pelo bem espiritual das almas permitiram escolher-te para estares à frente da Congregação para a Causa dos Santos". "Não podemos calar a tua colaboração assídua e competente, também na elaboração de importantes documentos sobre a Fé Católica". E o Papa termina por felicitar o Cardeal Saraiva Martins pelos "feitos numerosos e salutares que realizou a bem da Igreja inteira".
3 - Foi o jornalista da RAI, Giuseppe Di Carle que no dia em que o Senhor D. José recebeu do Papa o barrete cardinalício, noticiou: "Chegou a vez do Cardeal Português. o Cardeal do sorriso". É que, explicava, "quando uma pessoa fala com o Cardeal, sente-se envolvida por um sorriso largo e fraterno, por uma afável e bastante rara cardialidade e simplicidade e por essa sua acentuada simpatia".Esta constante atitude revela que o Senhor D. José é uma pessoa feliz, que se sente completamente realizado no sarcerdócio que escolheu com menos de 10 anos e, porque lutou, na vida de estudos que o absorveu ao longo dos anos, desde o Seminário menor das Termas de São Vicente, até aos vários doutoramentos em teologia e filosofia que foi concluindo, na aceitação de todos os encargos que lhe foram confiados e que aceitava, como repete, para obedecer e servir a Igreja. É que, quem obedece, acerta sempre. É esta atitude de não querer nada para si, mas queres apenas servir o Senhor, na Igreja, para oferecer a Salvação a toda a gente, que o faz estar sereno em todas as circunstâncias e transparecer nele um sorriso de paz. A vocação é dom e mistério, como disse João Paulo II, e aceitar o dom de Deus é viver o mistério da alegria.
4 - Quando jovem era um rapaz normal e com extraordinário sentido de humor. Conseguir encontrar solução para um difícil castigo, o de decorar 100 teses de Horácio convertidas em 50, ser capaz de fazer gazetas às aulas na Gregoriana só para visitar os monumentos da Cidade Eterna, no exame das 100 teses da Universidade de Teologia ser suficientemente eloquente para desviar as respostas das questões menos estudadas, tudo são revelações de que o José Saraiva Martins era um jovem igual a todos os outros jovens.
Mas havia nele desde pequeníssimo sinais daespecial ternura deDeus: no convite para a Universidade Católica Portuguesa em que 1968 não pode aceitar, no acidente de avião de que não foi vítima porque à última hora resolveu tomar outro voo, na aceitação muitas vezes difícil de tarefas que ainda jovem, lhe parecia ímpossivel realizar, estas e muitas outas situações foram revelando o carinho com que o Senhor o envolveu e a que respondem com generosidade. foi Paulo VI quem, ao ser-lhe apresentado como Reitor da Urbaniana, disse: "Mas ... tão jovem", e acrescentou "coragem, coragem". O Cardeal Agnelo Rossi que o apresentou aopapa, disse então: "Santidade os portugueses amadurecem depressa". Estávamos em 1977. Em cada um destes momentos ia-se apontando o caminho que o conduziu até ser Cardeal Presbítero no Colégio Cardinalício da Igreja.5 - Esta é uma biografia cheia de beleza, sinal de uma Igreja que sorri. Um Cardeal, príncipe da Igreja, no tradicional falar das pessoas, mas que nasceu numa aldeia quase esquecida, nas proximidades da cidade mais alta de Portugal, de uma famíliarural, um casal de gente simples com muitos filhos, que estudou em diversos lugares, mas sempre guiado pela obediência aos superiores, que assumiu cargos exigentes em épocas nada fáceis, que não sabe dizer não à Igreja, até porque "ao sucessor de Pedro não se pode dizer não", que "nunca pediu coisa nenhuma e nunca recusou coisa nenhuma", na total disponibilidade para a vontade de Deus, que tenta compreender e viver que "a santidade não é um luxo de poucos, um privilégio de alguns, mas um dever permanente de todos quantos receberam o baptismo", uma biografia assim tem uma beleza única e traz consigo lições de vida que ninguém pode esquecer.
2ª Uma Biografia Integral
A obra acompanha a vida, toda de Sua Eminência o Senhor Cardeal Saraiva Martins, com pormenores não apenas sobre a vida do pupurado, mas referindo ambientes, acontecimentos do mundo, problemas da Igreja, soluções inteligentes apesar de difíceis, tudo revelador da força do Espírito no caminho do Povo de Deus que caminha para a Casa do Pai.
Uma biografia que acompanha a vida toda:
- Do mesmo ambiente familiar, em Gagos, no Jarmelo, até ao desejo de ser padre e mesmo de ser missionário.
- Dos estudos humanistas no pequeno Seminário claretiano de Portugal, até ao triénio que, em Espanha, lhe deu o título de "doutor em filosofia",previsto na "ordo studiorum" da sua congregação.
- Da licenciatura em Teologia na Gregoriana até aos doutoramentos no Angélico, na Urbaniana, em Louvaina e em Chieti, Universidades que lhe deram uma visão larga sobre o mundo e sobre a maneira da Igreja estar nele, influenciando-o com os seus valores.
- Da ordenação sacerdotal em 1957, na Igreja do Sagrado Coração de Maria da Piazza Navona, até à sua ordenação episcopal em 1988 na Basílica Romana dos Santos Apóstolos.
- De simples aluno das Universidades da Cidade Eterna, à função de Reitor em três mandatos, da Universidade Urbaniana, fundada por Urbano VIII séculos atrás, a grande escola da evangelização e da acção missionária.
- De simples crente, com uma vida em Deus e marcado pelo Evangelho, até ao sacerdócio, dignidade de Cardeal Presbítero por vontade expressa do Papa Bento XVI.
Esta extraordinária biografia do Cardeal Saraiva Martins poderia sintetizar-se de uma maneira muito simples com estas palavras: Uma vida no seguimento de Cristo, na Igreja, em fidelidade plena ao desígnio de Deus, para o anúncio do Evangelho.
3ª Intelectual, Teólogo e Pastor
1- Quem lê esta biografia compreende com facilidade que está perante um homem muito livre, muito responsável, com uma grande cultura e, sempre, com uma enorme capacidade de serviço, na Igreja, para a humanidade. O Cardeal Saraiva Martins não se limitou a acumular licenciaturas e doutoramentos numa vasta cultura, mas com reduzida projecção pastoral. Não! A intenção pastoral do Senhor D. José é absolutamente extraordinária. Gostaria apenas de sublinhas três campos: o da educação, com especial atenção à escola católica e às universidades o do sacerdócio e, finalmente, o da santidade enquanto "comunhão plena e perfeita com Cristo", como diz o Concílio Vaticano II.
2- Quanto à escola católica é notável a sua acção como secretário da Congregação para a Educação Católica. Considero uma das definições mais clara, mais exigente e mais responsável, a de se ver, "a escola como lugar de formação integral da pessoa humana, através da assimilação sistemática e crítica da cultura". Ao chegar à Congregação, no tempo Mons. Saraiva Martins marcava entre a escola católica e a escola laica.Depois pode definir o papel de Professor católico num decálogo muito bonito que estabelece com clareza a responsabilidade de um educador cristão. O trabalho junto das universidades pontifícias foi também notável, conseguindo superar as normais tensões, entre escolas e abrindo a porta à normal cordialidade de quantos trabalham neste difícil campo da evangelização. Curiosamente, deve-se ao Cardeal Saraiva Martins, o título da Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas "ex corde Ecclesiae", do corãção da Igreja e não "Universitas Catholica".
3- Um outro tema que lhe foi querido foi o do Sacerdócio Ministerial. De facto, na Congregação havia também a responsabilidade pela formação sacerdotal nos seminários e luz do Concílio Vaticano II. Saraiva Martins introduziu o "período propedêutico" que proporciona uma preparação prévia, humana, cristã, intelectual e espiritual aos candidatos ao sacerdócio. A formação prévia nunca se tinha posto. A mudança de orientação, a exigência filosófico-teológica, a releitura das situações concretas e da intervenção no mundo, tudo mereceu um estudo profundo e decisões que não foram fáceis. Conta o próprio secretário da Congregação que, depois de algum sofrimento se chegou à conclusão de que os jovens de hoje querem fazer uma experiência forte, na sua caminhada para o sacerdócio, não querem seguir um percurso de "água de rosas", não querem laxismos, querem uma formação exigente e comprometedora. Ligados à formação dos sacerdotes ficou também a necessidade de formação para os diáconos permanentes.
4- A santidade contitui, ainda elemento fundamental no estudo e na acção do Cardeal Saraiva Martins. Na biografia agora publicada, é o próprio que se refere à sua nomeação para Prefeito do Dicastério da Causa dos Santos. "O Cardeal Sodano disse-me: O Papa pensou em si por várias motivos: por ser um teólogo e aquela Congregação precisa de um teólogo, depois conhece o estilo da cúria e por isso é importante: Vou para onde me mandam. Aceito."
Esta foi sempre a minha filosofia até porque, no fundo, é mais fácil obedecer, reconhecendo nas autoridades superiores a vontade de Deus sobre a nossa vida. E foi assim que vim, para àquela que alguns chamam "a fábrica dos Santos".Dos 1835 Santos e beatos que ascenderam à honra dos altares com João Paulo II, mais de um terço 756, foram-no no tempo em que Saraiva Martins era Prefeito. Com Bento XVI, já são mais 749 de 1523 que têm a intervenção ao nosso Cardeal. Entre os beatos e os santos portugueses estão Nun'Álvares Pereira, os Pastorinhos de Fátima, Jacinta e Francisco, Alexandra de Baltazar, Irmã Rita Amada de Jesus, Frei Bartolomeu dos Mártires e o Beato Manuel Gomez Gonzalo que morrer mártir no Brasil.
Conhecer a vida dos santos e garantir a sua santidade é um desafio maravilhoso para um teólogo e para um Pastor. Tarefa gigantesca que a Igreja lhe confiou.
4ª A obra de Andrea Tornielli tem nove capítulos, qual deles o mais interessante
Ao lê-los não nos limitamos a conhecer desde menino, o Cardeal Saraiva Martins, mas temos oportunidade de rever a vida da Igreja ao longo de largos 70 anos uma das coisas mais bonitas e, certamente, ter acesso a originalidade de cada um dos grandes Papas que ultimamente têm estado à frente da Igreja. Senão vejamos:


- Pio XII - O Papa Pacceli que a 11 de Fevereiro de 1952 dizia que era necessário transformar o mundo selvagem em humano, de humano em divino, isto é, segundo o coração de Deus foi o Papa do diálogo entre a ciência e a fé.


- João XXIII - O Papa Roncalli que em 1959 teve a coragem de convocar um Concílio, tornando-se o Papa da renovação profunda da Igreja.
Quem não recorda o bom Papa João e o Concílio Vaticano II?


- Paulo VI - O Papa Montini a quem coube o trabalho gigantesco do após Concílio.
Marcado pelo sofrimento, mas aceitando que a renovação da Igreja era possível.

- João Paulo I - O Papa Lucciani que em 33 dias disse à Igreja e ao Mundo que, no meio de todas as dificuldades era possível sorrir.Não sei se foi com João Paulo I que o Cardeal Saraiva Martins aprendeu também a sorrir.




- João Paulo II - O Papa que se entregou há Igreja até ao dom da vida, realizando em si o 3º Segredo de Fátima. O Papa que o povo aclamou, no dia da sua morte gritando "Santo subito" - Santo já.


- Bento XVI - O Papa Ratzinger a quem quero chamar o Papa da Esperança que não tem medo de dialogar com o Mundo de enfrentar questões fracturantes, de pedir rigor sem perder-se a alegria que é sempre dom de Deus.
O Cardeal Saraiva Martins, diz-no-lo na bibliografia agora trazida à estampa, privou com todos estes Papas. Que riqueza traz consigo, que desafios tem para nos fazer, que ideias para nos propor. Conhecer a Igreja por dentro, ama a Igreja que serve com amor e mantém a serenidade e a paz que o seu sorriso constante revela. É mesmo a Igreja que também sorri.

5ª É grande a tentação de continuar a falar, mas não quero deixar levar-me por ela ...
... Por isso termino. Tenho o privilégio de sentir como Vossa Eminência me acolhe. Tenho o dever de lhe testemunhar a minha gratidão. Cruzamo-nos em Roma, nas reuniões do Conselho Pontifício para a Pastoral da Saúde e, várias vezes, me recebeu em sua casa, convidando-me a subir ao terraço, em frente da Basílica de São Pedro ou monstrando-me a vitrina onde tem inúmeras recordações dos seus muitos caminhos de evangelização.
Foi uma honra para mim ter feito a apresentação do livro de Andrea Tornielli. "Quando a Igreja sorri", uma biografia do Cardeal Saraviva Martins. Fiquei muito aquém de quanto mais desejaria dizer, mas corria o risco de os leitores já não quererem ir mais longe na leitura desta grande obra. Todos ficavam a perder.
Apenas abri a porta, Eminência. Guiados pela sua vida e pelo seu sorriso, todos vão conhecer melhor a Igreja que amamos e pela qual damos a vida.
A vossa Eminência, o meu pprofundo reconhecimento.
Também não posso deixar de felicitar o autor pelo trabalho lindíssimo que nos oferece e aos organizadores Aletheia, Círculo de Leitores e Cãmara Municipal da Guarda, que me convidaram.
Leiam todos este livro e começarão a conhecer melhor o rosto da Igreja.
Mons. Vítor Feytor Pinto

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